sábado, 19 de junho de 2010

Escrito no fumo de corda

Aqui, na África do Sul, a segunda ocupação mais adotada é a de curandeiro, xamã, feiticeiro, bruxo ou charlatão - os diversos nomes para aquele painho que ganha um trocado ou uma galinha de capoeira por umas previsões e um banho de folha. O primeiro cargo é o de parente de político (com notada vocação para a função de esposa). É como no Brasil, onde a segunda função é a de biscateiro e a primeira é de corrupto.
Para tentar afastar a urucubaca e ainda colher palpites para minha coluna sobre a partida do Brasil contra a Costa do Marfim, fomos ao encontro de Jamal Dong Long, o mais popular jogador de búzios (buzios player) daqui de Johanesburgo. Como todo bom curandeiro, mora e atende em um casebre, que é maior do que meu barraco na Ilha Amarela, mas aprendi aqui que isso é favela. Desde o início da Copa, com tantos clientes, ele está construindo no quintal um puxadinho de três pavimentos com direito a um moderno lounge waka waka.
Minha primeira pergunta foi objetiva:
- O Brasil vai ganhar da Costa do Marfim?
O feiticeiro não respondeu de início. Deu uma grande baforada no cachimbo, mexeu em um chocalho, lambeu uma cacimba com cachaça e uma cobra enrolada, jogou um balde de água no chão. Depois, abriu os olhos:
- É provável.
- De quanto vai ser o placar?, emendei, sem perder tempo.
O guru abriu um baralho inteiro na mesa, coçou a barriga de uma iguana, derramou uma espécie de Qboa dos inquices pela cozinha:
- Se ganhar, vai ser pelo menos com um gol a mais.
Fui além. Queria saber se a Seleção levaria a Copa, se conseguiria o sonhado hexa.
O xamã queimou uma alfazema, bateu uma piaçava pelo chão todo e jogou uma raspas de copioba para fazer bolhas que pareciam pipocar as respostas certas.
- Começou como favorito nesta, nas anteriores e vai continuar pelos futuros campeonatos. É um time que sempre tem uma bênção divina, portanto, até onde for o caminho da equipe, vai ser de vitórias.
Fingi que entendi e arrisquei um último questionamento:
- A Dilma vai ganhar a eleição?
O advinho aspergiu uma essência de camomila no ambiente, começou a passar pano seco pelo chão, que foi ficando brilhante e parecia até uma bola de cristal. Todas as respostas deveriam estar ali.
- Uma mulher pode comandar o Brasil. Mas nada garante que seja neste ano. E nada pode garantir que seja efetivamente como Presidente da República.
Desse jeito, me dei por satisfeito, paguei os 60 dólares pela consulta e voltei para a pensão. Na saída, ele ainda enfatizou:
- Por mais 40 (dólares), faço agora o vodu do Drogba e te dou até ele quebrar...
Não esperei terminar a frase, agradeci, mas vi que ou ficava com o bonequinho ou garantia as refeições da semana. No final, percebi o modo mais lucrativo de lavar uma cozinha, deixando ela limpinha e ganhando 60 dólares.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Neto Retou

Agora sou eu quem vou meter a boca na vuvuzela. Nesta Copa, estou pior do que o gato cinza que foi adotado comunitariamente lá na rua Direta de Ilha Amarela: quando não sou perseguido por pitbulls, estou metido em algum espeto. Foi assim que eu e minha patroa tivemos que desembolsar mais de 80% do orçamento de viagem em apenas uma corrida de táxi. Pedi para ir até o caixa eletrônico mais próximo e o motorista desgraçado entendeu que eu estava pedindo para conhecer uma discoteca. Não sei como isso pode ter acontecido, já que falei em inglês impecável: - plis, de next eletronic box.
Terminamos, então, indo para um inferninho na Cidade do Cabo e quando me dei conta estava 120 dólares mais pobre e bem distante da pensão, que serve um banquete de café da manhã com línguas de salamandra grelhada e raízes de amendoeiras polvilhadas com parmesão a Nego Bara (especialidade local). Só voltamos graças a minha aparência de nativo que ajudou na hora da carona. Para fazermos as refeições, minha patroa precisou iniciar bicos de lavadeira no Centro de Imprensa e conseguiu como freguês um cara vermelho que dizem que foi jogador e agora é comentarista. Trata-se de boa praça chamado Neto, que trabalha na televisão Band.
Ele passou uma trouxa de roupa suada e um tanto sebosa. A patroa teve que cobrar 50 dólares pela lavagem e explicou que a graxeirada tinha inflacionado por causa de uma verdadeira freada de scania na ceroula alvinegra que ele usava (naquele momento, mais negra do que alvi).
O rapaz contou que tinha sido o cuecão de estimação que ele usa sempre nos jogos do Brasil. É que no meio da transmissão, decidiu largar o doce para cima do técnico Dunga, só faltou chamar o cidadão de Édipo de Branca de Neve, mas que chamou de ignorante, burro, analfabeto, iletrado e até eleitor do PT, isso chamou. Tudo porque o energúmeno insistia em manter dois frentes de zaga, enquanto os japas da Coréia do Norte não tinha nem um cara no ataque. Quem assistiu a partida, viu que depois de ele repetir umas três vezes, teve que consertar, dizendo que o treinador também precisava resguardar a defesa.
Ele explicou pra minha patroa, com aquele sotaque chato de caipira que almoça e janta canjica: "Naquela hora recebi os SMS dos mangangão da tv, tudo reclamando que os patrocinador de Dunga ameaçavam tirar as cotas se eu continuasse naquela rebeldia. Na hora, deu até pra consertar o discurso, só não deu pra segurar a borrada que ficou na cueca..."

terça-feira, 15 de junho de 2010

Gato de Energia Tira Brilho da Partida

Um mal-estar coletivo foi gerado a cerca de 30 minutos para a estreia do Brasil no Ellis Park, aqui em Johanesburgo. As luzes dos setores das cadeiras, da imprensa e de dois telões foram apagadas. Depois de uma rápida investigação, eu e minha patroa Lurdes (que está servindo de fotógrafa amadora e marmita oficial aqui na África) descobrimos que se tratava de uma ação da Companhia de Energia Elétrica da África do Sul (Eskom), revoltada com os gatos de energia, que se tornaram praticamente oficiais. É que o governo de Nelson Mandela tinha decretado moratória para os favelados que fizeram dezenas de milhares de gambiarras elétricas com o fim do apartheid. O presidente disse na época que seria demais cobrar a luz dessa gente bronzeada que só queria dançar um pouco de kuduro e ser feliz. Pois a "Coelba" africana esperou anos até a hora certa de dar o troco. Eles cortaram a energia e ameaçaram que a bola não rolaria se a dívida não fosse paga. Ao que o atual presidente da South Africa, Jacob Zuma, teve que assinar o checão para acabar com a intriga. Isso foi o que eu e minha patroa conseguimos apurar, apesar da explicação oficial ser de que houve uma sobrecarga de energia motivada por muitos televisores ligados nos barracos sulafricanos. Você escolhe em qual versão acreditar.
O que importa mesmo é que em meio ao apagão eu tive a chance de invadir o campo e dar uns conselhos táticos para o inseguro Dunga. Nesse flagrante, você pode ver o momento exato em que aconselho ele a sempre tirar Elano no segundo tempo (mesmo que ele faça gols). E a usar um figurino menos "flozô" para a próxima partida.

Uma estreia para abrir os olhos

Na minha gaiatice de sempre, quase era deportado para o Brasil antes mesmo de estrear como comentarista esportivo internacional bancado por um pool de empresas valorosas que lutam por uma imprensa honesta e com ligeiros teores de alcoolemia. Pois estava me aquecendo com algumas lagers (a saborosa cervejinha africana) para encarar meu debut em graus negativos no Ellis Park, quando tive a ideia de levar um protesto para as arquibancadas. Consegui abrir uma gentil flâmula em homenagem a um famoso narrador em um local privilegiado do estádio. Parece que fui bem sucedido no protesto, conforme acompanhei na repercussão da imprensa brasileira: "Faixa Cala Boca Galvão é retirada".


Mais uma vez, o problema é que os jornalistas não conseguem fazer o trabalho direito e não contaram a história completa. Como eu dizia, estava lá na minha gaiatice, quando senti dois cachações pelas costas, uma rasteira seguida de gravata e em poucos segundos estava desacordado. Só recobrei os sentidos ao receber um balde de água na cara (primeiro só a água e depois o balde inteiro) e ver que estava em um porão mal iluminado, cercado por quatro brutamontes com as caras geneticamente amassadas em formato de kombi. Eles tentavam falar em uma língua estranha, mas é certo que batiam antes e grunhiam depois.
Com um pouco de tempo, descobriram que não haveria diálogo (eu não entendia o idioma e só sentia um zumbido no pé do ouvido) e chamaram um tradutor. O jovem japinha explicou que eu estava sendo detido em nome de Vossa Excelência O Presidente Eterno da República Popular da Coréia do Norte, Kim Il Sung, hoje representado pelo magnânimo filho Kim Jong-Il, por fazer críticas severas e injustificadas contra o regime vigente.
Indignado, eu expliquei que não tava nem sabendo quem envernizou a barata, mas só queria tirar sarro com um locutor mala sem alça brasileiro. Cheguei até a ensaiar que entraria com um processo na Corte Internacional, na ONU e nos escambau a quatro, mas quando vi o pau de arara que os leões de chácara estavam aprontando, vi que diplomacia não funciona nem um pouco quando os testículos são esmagados e triturados igual a shimeji e broto de feijão.
Finalmente libertado, percebi que já estava no segundo tempo da partida, mas meus colegas de copo, ops, de pauta, avisaram que eu não tinha perdido muita coisa. Para mim, como ex-beque parado do CFC (Caipirinha Futebol e Cachaça), de Nova Brasília, o menino Robinho foi o melhor da partida. Ele mostrou que é um jogador eclético, com diversos recursos para encarar os fortes (eu que o diga!) norte-coreanos. Deu umas pedaladas, correu, pedalou um pouco, tocou a bola, passou os pezinhos por cima da bola alternando sentido horário e anti-horário, deu passe para o segundo gol e pedalou mais uma vez. Enfim, um gênio, que nem precisava que a Samsumg me agraciasse com um celular seminovo para que eu começasse a falar tão bem do nosso pelezinho com cara de australophitecus.
Na entrevista coletiva, fiz perguntas de duplo sentido ao nosso camisa 11:
- Sobre o próximo jogo, o que você acha da Costa do Marvin?
- Coroa, agora é pra valer, eu fiz o meu melhor e seu destino eu sei de cor...
- E aí, garoto, você já traçou os japas em campo, o que vai comer hoje de noite?
- Coroa, cansei de sushi, acho que vou traçar a carne escura de umas quimbundas que ficam rondando lá na concentração.
No que eu parabenizei a escolha do cardápio dele, dando aquele famoso "pedala robinho" no cucuruto. Afinal, não poderia sair apanhado do estádio sem descontar no primeiro mané em minha frente.


Chegamos!!!


Foi emocionante minha primeira viagem de avião, pela South African Airways (SAA). Às 4h20 [horário local] chegamos ao Aeroporto Internacional Oliver Tambo, em Gauteng, em Joanesburgo.

Depois de uma viagem cansativa, antes de abrir o laptop para atualizar as notícias do blog, nada melhor que relaxar na jacuzzi do Hotel Protea Wanderers, onde estou já me enturmando com a comunidade local e fazendo amizades de todas as espécies.

Seu Roque na Copa do Mundo 2010